Explicação sobre a 2ª parte do sermão do monte (Mt 6: 1-34): doação de esmolas, oração e jejum; o Pai-Nosso; os tesouros no céu, olhos bons e maus, os dois senhores, a ansiedade pela vida.

Explanation of the 2nd part of the sermon on the mount (Matt. 6: 1-34): almsgiving, prayer and fasting; the Lord’s Prayer; treasures in heaven; good and bad eyes; the two masters; to let go of anxiety.


O sermão do monte parte 2 – Mt 6: 1-34




A prática da justiça

• Mt 6: 1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça (NVI: suas obras de justiça) diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste”.

Até aqui Jesus falou a Seus discípulos o que Deus Pai esperava deles, ou seja, como eles deveriam agir para agradar a Deus, praticando a Sua justiça. A partir de Mateus 6: 1, o Senhor começa a adverti-los sobre o perigo da hipocrisia.

“A vossa justiça” (NVI: “suas obras de justiça”) se referia às tradições e à doutrina de Saduceus, Fariseus e escribas (ou ‘mestres da lei’) para cumprir a retidão da lei, mas com a ânsia de receber aplausos humanos. Por isso, o que ocorria era uma distorção dessa retidão. Como foi escrito em Mt 5: 20, eles se contentavam com cerimônias religiosas que lhes davam uma sensação de purificação, mas esses rituais eram apenas externos; não mudavam seus corações. Eles controlaram a lei e criaram tradições de homens sobre ela, mas perderam a santidade exigida pela lei, os princípios básicos dela: justiça, misericórdia e fé (Mt 23: 23). Na verdade, Jesus estava preocupado com os motivos por trás de uma vida justa. Esperar aplausos humanos não era a recompensa que deveria ser esperada do Pai celestial. As boas obras que os discípulos de Cristo deveriam praticar serviriam para glorificar o nome de Deus, simplesmente para agradá-lO, não para receber a glória dos homens.

Do versículo 2 ao 18, Jesus toca em três atos principais da piedade judaica: a esmola, a oração e o jejum. Mas eles não deveriam fazer nenhum desses atos para serem elogiados pelos seres humanos; e quem os fizesse só com esse objetivo receberia apenas o apoio e o aplauso humano como recompensa, nada mais além disso. Outro aviso dado por Jesus era a instrução de realizar o ato de piedade secretamente, sem demonstrações públicas, porque eles poderiam ter a certeza de que o Pai que vê em segredo os recompensaria abertamente.

Como se deve dar esmolas

• Mt 6: 2-4: “Quando, porém, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai; que vê em secreto, te recompensará”.

“Quando, porém, deres esmola, não toques trombeta diante de ti” significa não atrair de maneira tão barulhenta a atenção para si enquanto eles davam ofertas nas sinagogas ou esmolas aos mendigos nas ruas, como se houvesse um arauto indo adiante deles para anunciar o que estavam fazendo.

“Eles têm sua recompensa” significa: a sua única recompensa é a reputação que ganham enquanto estão na terra. No céu não terão nenhuma.

“Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita”, ou seja, “Não deixe a sua mão esquerda saber o que a sua mão direita está fazendo” – e isso significa fazer um ato de caridade em segredo, sem ostentação e sem atrair a atenção de outras pessoas. Esse ato de caridade deveria ser para que o Pai visse e fosse glorificado por isso, não para que o doador ficasse conhecido pela sua bondade. A doação deve ser motivada pela obediência a Deus e pela compaixão dos outros.

O galardão celestial que nós receberemos de Cristo será bem diferente do aplauso dos homens (2 Co 5: 10; Ap 22: 12), pois se trata da vida eterna.

Como se deve orar

• Mt 6: 5-8: “E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orardes, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”.

O segundo ato da piedade judaica depois da doação de esmolas era a oração. E aqui, Jesus dá as mesmas orientações: orar para o Pai e não para ser elogiado pelos seres humanos, pois essa seria a única recompensa que eles teriam; e para orarem em secreto, sem demonstrações públicas, porque eles poderiam ter a certeza de que o Pai que vê em segredo os ouviria e responderia às suas orações.

Jesus disse que o Pai sabe das nossas necessidades antes mesmo que coloquemos nossos joelhos no chão para orar. Também nos fala que orar não precisa ser um ato público e escandaloso, mas algo que necessita de reverência e concentração da nossa parte, pois não apenas o nosso espírito estará envolvido, assim como a nossa alma e o nosso corpo. Por isso, não adianta orar de qualquer jeito para terminar logo. A oração também não é um ato de guerra ou gritaria onde colocamos Satanás no foco, dando-lhe a glória, só falando dele. Nada disso é oração verdadeira.

Em primeiro lugar, Jesus nos diz que é para entrarmos em nosso quarto e orarmos em secreto porque o Pai que vê em secreto nos recompensará; isto quer dizer: privacidade e reverência. Em outras palavras: entrar no nosso ‘quarto’ (na nossa alma e no nosso espírito) e ‘fechar a porta’, sem interferência externa e sem distrações, na profundidade do nosso ser, onde está o altar, e ali, onde tudo é conhecido por Deus, expor e falar para Ele o que desejamos, pensamos ou sentimos, não apenas por nós como também por nossos irmãos por quem estamos intercedendo.

“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles”.

Jesus estava falando sobre não repetir mecanicamente a oração como as que os gentios faziam, pois na verdade eles oravam para os seus deuses, não para o verdadeiro Deus, e não tinham intimidade com Ele. Seus deuses eram temíveis, mas não os entendiam nas suas necessidades como o Pai celeste entende Seus filhos. ‘Vãs repetições’ é uma expressão que pode trocada por outra palavra: ‘reza’.

De maneira bem prática, podemos explicar dessa maneira: rezar é repetir uma prece ou súplica, entretanto, sem colocar inteiramente o nosso ser no que estamos fazendo. Em outras palavras: sem que a nossa alma possa se expressar livremente diante de Deus como deseja. Quando apenas rezamos há uma formalidade na nossa comunicação, pois só falamos com os lábios, enquanto o coração fica sem manifestar as emoções distorcidas e doentes e que necessitam de cura. Ali está o nosso eu real. É ali que o Senhor precisa tocar para que nos sintamos inteiros novamente e possamos remover o que está nos trazendo conflito interior.

A oração vai mais além; ela nos conduz a uma meditação sobre a Palavra de Deus, colocando nossos pensamentos e sentimentos em confronto com ela e, assim, nos mostrando onde devemos mudar para conseguirmos o que estamos buscando. Através da abertura sincera do nosso coração diante dEle atingimos o Seu coração e começamos a conhecê-lO na Sua plenitude. A oração gera intimidade com o Senhor e faz com que Ele seja cada vez mais participante da nossa vida. A oração nos permite a expressão livre do nosso coração naquele momento. As palavras escritas diante de nós nada mais são do que guias para que a nossa boca possa traduzir nossos sentimentos e para que a nossa mente possa trazer à tona nossos pensamentos mais profundos. A oração abre as portas do nosso coração para o trono de Deus.

A oração dominical

• Mt 6: 9-15: “Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas”.

Esse estudo do Pai-Nosso foi escrito anteriormente e se encontra em página separada. O link aqui está em azul, assim como o jejum, no tópico abaixo.

Como jejuar

• Mt 6: 16-18: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuardes, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu pai, em secreto; e teu pai, que vê em secreto, te recompensará”.

O terceiro ato da piedade judaica depois da doação de esmolas e da oração era o jejum. Novamente, Jesus dá as mesmas orientações: jejuar para buscar o Pai e não para ser visto pelos seres humanos, pois essa seria a única recompensa que eles teriam. Ninguém precisava saber que eles estavam jejuando, pois o Pai que vê em segredo responderia a eles, honraria seu jejum, sua consagração a Ele.

“Desfiguram o rosto” (literalmente “cobrem o rosto”) – o verbo ‘desfigurar’ em grego ‘aphanizó’ (ἀφανίζω – Strong #853), significa: desaparecer, fazer desaparecer, esconder, remover, desfigurar (provavelmente por deixar sem lavar por um longo período), destruir ou ser destruído, consumir (nublar, tornar obscuro).

Jesus dizia que a terceira forma de hipocrisia religiosa era criar deliberadamente uma aparência de jejum. Os hipócritas desfiguravam seus rostos quando jejuavam para parecerem abatidos e tristes. Esse seria um ato ridículo, uma tentativa frustrada de parecer santo. No dia a dia os judeus costumavam lavar o rosto e ungir os cabelos, pois assim eles mostravam uma boa aparência aos outros.

O jejum do Dia da Expiação era estabelecido pela lei mosaica (Lv 16: 1-34). Em Lv 16: 29-31 está escrito: “Isso vos será por estatuto perpétuo: no sétimo mês, aos dez dias do mês, afligireis a vossa alma [NVI: vocês se humilharão; no original: vocês jejuarão] e nenhuma obra fareis, nem o natural nem o estrangeiro que peregrina entre vós. Porque, naquele dia, se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados, perante o Senhor. É sábado de descanso solene para vós outros, e afligireis a vossa alma; é estatuto perpétuo”.

Havia também o jejum voluntário. Algumas pessoas devotas, como Ana, jejuavam com freqüência (Lc 2: 37). Os fariseus acrescentaram dois dias de jejum na semana (Lc 18: 12) para mostrar ao povo sua piedade e apareciam nas sinagogas vestidos de modo desleixado. Mas o verdadeiro propósito do jejum era a contrição e a comunhão com Deus (2 Sm 12: 16; 18; 22; 23; Dn 9: 3; Mt 11: 21), um meio de subjugar a carne e vencer a tentação (Is 58: 6) e isso era feito com pano de saco e cinzas (Gn 37: 34; 2 Sm 3: 31; Jl 1: 8, Jó 16: 15), muito comum de se ver nos momentos de luto (Is 61: 3) pelos mortos (Gn 37: 34; 2 Sm 3: 31; Jl 1: 8) ou de lamentação por desastre nacional ou pessoal (Jó 16: 15; Is 3: 24 [ARA: cilício; NVI: ‘vestes de lamento’]; Is 7: 20; Is 15: 2-3; Is 20: 2 [“Vai, solta de teus lombos o pano grosseiro de profeta”; NVI: ‘o pano de saco’]; Is 22: 12-13; Jr 16: 6; Jl 1: 13; Jn 3: 5; Mq 1: 8; Mq 1: 16).

Em Mt 9: 14-15 (cf. Lc 5: 33-35), Jesus usou a figura do casamento como exemplo do relacionamento de Deus com Israel (Is 54: 1-8; Jr 3: 1-13; Os 2: 16). Ao referir-se a si mesmo como o esposo, Ele estava afirmando que era o Messias. A frase “lhes será tirado” se refere à Sua morte violenta na cruz e ao Seu sepultamento (Jo 16: 19-22). Depois da Sua ascensão, Ele esteve fisicamente ausente de Seus discípulos (Jo 16: 23-24). Provavelmente, os discípulos de João Batista vieram a Jesus questioná-lO sobre o jejum, porque João já estava preso. Mas Ele lhes disse que, enquanto estivesse com eles, Seus discípulos (como convidados de um casamento, que tinha festa por sete dias) não precisariam jejuar, pois aquele não era momento de luto nem pranto, mas de alegria.

Os tesouros no céu

• Mt 6: 19-23: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que há em ti sejam trevas, que grandes trevas serão”.

v.19 – “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” – os tesouros da terra, que podem ser roídos por traça ou corroídos por ferrugem, podem se referir a roupas atacadas por traças ou porque deterioravam com o tempo ou por causa de ratos, bolor e outros agentes que as destruíam; ou, então, a metais que enferrujavam, como utensílios domésticos e outros objetos feitos de metal, e que possuíam algum valor e alguma utilidade para o seu possuidor. Metaforicamente falando, ‘tesouros’ significam coisas boas e preciosas; ‘ferrugem’ significa enfraquecimento, deterioração; ‘traças’, podem se referir a pessoas ou conhecimentos enganadores que corroíam aos poucos os valores de alguém. Tesouros que tinham valor monetário, como dinheiro ou jóias, poderiam ser roubados por ladrões. Nenhum desses tesouros têm valor para Deus, pois são coisas passíveis de corrupção e perda de algum tipo.

Mas Jesus os orientava a juntar tesouros realmente importantes para Deus, num lugar inacessível a qualquer agente ou elemento terreno, ou seja, no céu. Céu significa o lugar da morada de Deus, o lugar onde as coisas não são visíveis, acima da matéria: “mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam” (v. 20).

No v. 21 (“porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração”), Ele toca no ponto principal que faz uma pessoa guardar o seu tesouro num lugar ou no outro: o coração. As coisas mais preciosas, as que mais têm valor para alguém, ocupam o coração dessa pessoa, pois o coração é a sede da sabedoria, o centro da decisão moral e intelectual, o centro da personalidade (mente, emoções e vontade); assim, o tesouro mais querido de uma pessoa, acaba controlando todos os seus valores e toda a sua direção de vida.

A luz e as trevas (olhos bons e maus)

Mt 6: 22-23: “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que há em ti sejam trevas, que grandes trevas serão!”

No conceito judaico da Antiguidade, os olhos eram ‘janelas’ pelas quais a luz entrava no corpo, na mente; mais do que isso, os olhos eram ‘portas’ por onde as coisas materiais vinham para a vida da pessoa, pois o que ela desejasse com os olhos ela teria. O olho gerava o desejo, e o coração arquitetava o plano para torná-lo uma realidade.

Vamos ver as palavras gregas usadas aqui (Mt 6: 22-23). São um pouco diferentes umas das outras:
“São os olhos [Strong #3788, ophthalmos, ὀφθαλμός – o olho físico ou o da mente; visão; ação de ver; inveja (do olhar ciumento)]...
... a lâmpada [Strong #3088, luchnos, λύχνος (de leukos) – vela, luz; uma lâmpada portátil ou outro iluminador; candeeiro] do corpo...
... Se os teus olhos forem bons [Strong #573, haplous, ἁπλοῦς – singelo, simples, sadio, perfeito, claro, generoso],...
... todo o teu corpo será luminoso [Strong #5460, phóteinos, φωτεινός – brilhante, luminoso, cheio de luz, figurativamente: transparente ou bem iluminado];...
... se, porém, os teus olhos forem maus [Strong #4190, ponéros, πονηρός – pecaminoso, ruim, mau, perverso, malicioso, preguiçoso; prejudicial, enfermo, doente, doentio, mórbido; (moralmente) culpável, vicioso, facínora; de mal comportamento, danoso, ganancioso, culposo],...
... todo o teu corpo estará em trevas [Strong #4652, skoteinos, σκοτεινός – cheio de escuridão, escuro; opaco, ou seja, figurativamente: ignorante, em um estado de lamentável ou desprezível ignorância intelectual ou moral, tipicamente devido à falta de oportunidade]...
... Portanto, caso a luz [Strong #5457, phós, φῶς – fogo, luz, uma fonte de luz, esplendor; derivado de uma raiz obsoleta: ‘phao’, que significa brilhar ou manifestar, especialmente por raios; luminosidade (tanto natural quanto artificial, de forma abstrata ou concreta, aplicação literal ou figurativa)]...
... que há em ti sejam trevas, que grandes trevas serão!” – aqui as duas palavras ‘trevas’, em grego, são as mesmas: Strong #4655, skotos, σκότος – escuridão, sombra, seja física ou moral, obscuridade (literal ou figurativamente).

Como uma janela de luz, através do olho o corpo encontra seu caminho. O olho bom [singelo, simples, sadio, generoso (o contexto se trata de tesouros, como dinheiro)] deixa entrar a luz, e assim todo o corpo é iluminado, ou seja, a mente acaba sendo clara de propósito, de entendimento, de revelação e do conhecimento verdadeiro de Deus.

Mas o olho mau [pecaminoso, perverso, malicioso, preguiçoso, doente, moralmente culpável, vicioso, danoso, ganancioso] não deixa entrar a luz, e o corpo estará em trevas (v. 23: falta de entendimento, de revelação, do conhecimento verdadeiro de Deus), pois vê as coisas de maneira distorcida e sempre com uma conotação ruim, pervertida.

Os dois senhores

• Mt 6: 24 (Lc 16: 13): “Ninguém [KJV: ‘nenhum servo’] pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podereis servir a Deus e às riquezas [outras traduções dizem: dinheiro; em grego: Mamom, o que foi entendido como o ‘deus das riquezas’]”.

Depois de Jesus falar sobre escolher entre dois os tesouros (na terra e no céu), Ele fala sobre escolher entre dois senhores: Deus ou o dinheiro (riquezas ou bens materiais). Na verdade, Jesus os apresenta como proprietários de escravos. Ser escravo é ser propriedade de uma pessoa, em tempo integral; e não é possível servir a dois proprietários de escravos ao mesmo tempo. Ou servimos a Deus de forma sincera ou não o servimos de forma alguma.

Estou falando isso porque ‘ninguém’ no versículo acima é traduzido na KJV por ‘nenhum servo’. E no NT, a palavra ‘servo’ aparece como uma tradução das palavras hebraicas (no masculino, ‘ebhedh ou `ebed; no feminino, ‘amah; Shiphchah = servas – Gn 33: 2; sharath – Êx 33: 11, ‘servo’, ‘moço’), significando ‘um criado da casa’, ‘um servo doméstico’, ou ‘um rapaz’, ou ainda, ‘um oficial subordinado’, mas, na maioria das vezes, o termo se refere a ‘um escravo’.

‘Ninguém’ ou ‘nenhum servo’, ‘oiketes’ (Strong #g3610), significa: um servo doméstico, alguém que reside na casa.
‘Servir’, ‘douleuo’ (Strong #g1398), significa: ser escravo (literal ou figurativo; involuntário ou voluntário): estar em servidão, sujeição ou subserviência, servo, servir, prestar serviço.
Em Mt 8: 9, ‘servo’ é doulos’ (Strong #g1401). Em Mt 8: 6, ‘servo’ ou ‘criado’ é ‘pais’ (Strong #g3816). Em Mt 26: 58 (‘serventuários’ [ARA] ou ‘guardas’ [NVI]) é ‘huperetes’ (Strong #g5257).

Jesus não disse que era pecado ser rico, nem disse que para segui-lO era necessário ser pobre. O que Ele quis dizer é que não devemos ser escravos do dinheiro. O dinheiro é que deve ser o nosso escravo.

Em hebraico, a palavra para dinheiro é keseph (= prata). Em grego, a palavra ‘dinheiro’ ou ‘riqueza’ é ‘mammonas’ (Strong #g3126, mamónas, μαμωνᾶς), que é uma palavra de origem caldéia (aramaica), que significa: confiança, ou seja, riquezas, dinheiro, posses; propriedade; avareza; Mamom (um deus; riqueza deificada). No NT, esta palavra grega aparece 4 vezes, onde na nossa bíblia (ARA) está escrita a palavra ‘riquezas’: Mt 6: 24; Lc 16: 9; Lc 16: 11; Lc 16: 13.

Riqueza ou dinheiro, entretanto, por ser algo que recebeu tanta honra e prioridade por parte dos homens, foi colocada no lugar de um deus, por isso, parece ter uma identidade, até competindo com o Deus verdadeiro pela posse de uma alma, ou seja, o dinheiro adquiriu vida. Por isso, Jesus disse que não poderíamos servir a Deus e às riquezas. Ele não colocou neste versículo nenhum outro deus que os homens costumam cultuar: prazer, poder, fama e conhecimento; não falou sobre enfermidades, nem sobre outras obras da carne além da avareza, tampouco sobre outras entidades espirituais. Podemos pensar, então, que o deus que mais compete com o verdadeiro Deus é o dinheiro. Com ele se ‘compram’ todos os outros deuses, menos Jesus. Além disso, uma balança normalmente tem dois pratos. O dinheiro pesa para o lado material, impedindo que o lado espiritual se manifeste numa pessoa. Ela fica cega às verdades de Jesus, correndo o risco de perder sua salvação (Lc 12: 13-21). Deus e Mamom se excluem mutuamente, são completamente opostos um ao outro.

Quem diz que serve a Deus, mas a sua vida mostra que vive para as coisas terrenas, nega seu relacionamento com Ele. Por isso, o dinheiro deve estar debaixo do domínio do Espírito em nossa vida, para que ele seja nosso escravo, não nosso senhor.

A ansiosa solicitude pela vida

• Mt 6: 25-34 (Lc 12: 32-34): “Por isso, vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves dos céus: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam; contudo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas essas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal [Lc 12: 32-34: Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino. Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros, bolsas que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração]”.

v. 25-26: “Por isso, vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida [NVI: ‘Não se preocupem com sua própria vida’], quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves dos céus: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis muito mais do que as aves?”

Depois de falar sobre viver em função de juntar bens materiais, Jesus agora trata de uma tendência igualmente perigosa: a preocupação ou ansiedade.

“Não andeis ansiosos pela vossa vida” – ‘não ficar ansioso’ ou ‘não se preocupar’, o verbo em grego é merimnaó (μεριμνάω – Strong #3309), que significa: ter cuidado, pensar, ficar ansioso (sobre alguma coisa), ficar ansioso demais, distrair-se; tomar conta de, se preocupar por.

A ansiedade é uma preocupação exagerada e prejudicial com nossas necessidades imediatas, em especial com algo que ainda não aconteceu ou com a possibilidade de algo inesperado acontecer; é viver antes do tempo. É diferente de ter cuidado, precaução e fé. Portanto, até mesmo os pobres não precisam preocupar-se com o que vão comer, beber ou vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo, mais do que a vestimenta? Isso significa que o equilíbrio mental e interior deve vir do espírito do homem e não da provisão material. Colocar o coração nos bens materiais e preocupar-se com a falta deles é viver sempre inseguro e privar a si mesmo de receber as bênçãos espirituais de Deus.

v.26: “Observai as aves dos céus: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis muito mais do que as aves?”

A criação natural de Deus ensina a viver sem a preocupação e dá testemunho da Sua providência. Embora os pássaros trabalhem pelo seu sustento também, eles não se preocupam como os homens, pois sabem de forma instintiva que a natureza está ali para provê-los. E então, Jesus faz outra pergunta: “Porventura, não valeis muito mais do que as aves?” Deus é o Criador da natureza, mas Pai cuidadoso de Seus filhos. Se Ele cuida de animais e plantas, não cuidará de Seus filhos? Filhos de Deus valem muito mais do que pássaros. Essa é uma confiança que deve ser desenvolvida no ser humano, uma consciência no cuidado de Deus, muito mais do que a preocupação racional de como se suprir. É ter a certeza que de alguma forma Deus vai dar a direção e não vai nos abandonar num momento de necessidade. Ele é que tem que se preocupar em como fazer chegar a nós o suprimento, mesmo quando não enxergamos uma maneira possível.

v.27: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” [Nota: ‘Ao curso de sua vida’ ou ‘à estatura’; da NVI: ‘Um único côvado à sua altura’]. Em Lc 12: 25 (NVI) está escrito: “Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?”

“Ao curso da sua vida?” ou “à sua estatura” provavelmente se refere ao tempo de duração da vida ou idade. Côvado, embora seja uma medida de distância, aqui alude a um período de tempo. E isso pode significar que a preocupação encurta a vida de uma pessoa; por isso, seria melhor deixar os assuntos citados anteriormente (o alimento, as necessidades materiais) nas mãos de Deus. Confiar nEle deveria ser o suficiente.

v.28-30: “E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam; contudo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé?”

Os lírios a que Jesus se refere são provavelmente anêmonas selvagens (Anemona coronaria), de cor vermelha e púrpura, abundantes nos campos da Galiléia, ou então, o Cyclamen repandum. Vermelho e púrpura são as cores das vestes de reis. Salomão, em toda a sua glória, vestido em suas roupas reais, não tinha a aparência esplêndida dessas florezinhas humildes, que não trabalham nem fiam, mas têm uma beleza natural que rivaliza com um rei em toda a sua glória. Mais do que beleza, elas têm pureza e dependem totalmente de Deus para estarem onde estão; e na Sua força elas suportam sol excessivo, ventos e chuvas, pois seu Criador as mantém intactas. Se Deus esbanja tanta beleza em flores que desabrocham hoje e são queimadas amanhã, Ele não se importará com as necessidades de Seus filhos?

“Homens de pequena fé” (cf. Mt 8: 26; Mt 16: 8) – são os que crêem em Jesus, mas vivem ansiosos pelas coisas materiais. Nós provamos que temos pouca fé quando nos preocupamos, nos afligimos e nos esforçamos em uma luta incessante para obter mais e mais bens materiais. Desperdiçamos nossas vidas fazendo o que Deus teria feito por nós, se tivéssemos dedicado mais nosso tempo e talentos a Ele.


Anemona coronaria na Palestina
Anemona coronaria na Palestina

Anemona coronaria – campo
Anemona coronaria

Cyclamen repandum
Cyclamen repandum


v.31-34: “Portanto, não vos inquieteis dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas essas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” [Lc 12: 32-34: “Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino. Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros, bolsas que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”].

v.32: A palavra ‘gentios’ aqui se refere aos não judeus, aqueles que não conhecem a Deus. O povo judeu pensava de uma maneira muito diferente dos gentios, que costumavam se preocupar perguntando constantemente: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Por isso, o Senhor falava aos Seus discípulos para viverem uma vida diferente das pessoas que não confiam no cuidado paternal de Deus e não têm outros objetivos além das coisas materiais. Quando temos fé em Deus, vivemos um dia de cada vez com a inocência dos seres da natureza, pois sabemos que o dia de amanhã, Ele proverá. O Pai sabe que necessitamos das coisas materiais.

v.33: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.
O Reino dos céus ou o Reino de Deus (Mt 3: 2; Mt 4: 17) são os termos usados no NT para se referir à implantação do Reino celestial de Deus na terra por intermédio de Jesus Cristo. Esse Reino estava muito próximo porque foi oferecido a Israel na pessoa do Messias.

Buscar Seu reino e a Sua justiça significa desejar que a justiça de Deus reine nessa terra.
Neste contexto de Mt 6: 33, buscar Seu reino e a Sua justiça é buscar a retidão da vida em total submissão à vontade de Deus, ao invés da justiça humana como os fariseus buscavam através das suas obras (Mt 6: 1).
Assim, os discípulos de Jesus teriam a certeza de que todas as coisas que eles necessitassem lhes seriam dadas por seu Pai celestial.

v.34: “Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal”.
O Senhor nos adverte a não nos preocuparmos com o dia de amanhã porque cada dia está debaixo do Seu controle e traz algo para ocupar nossa atenção. A cada dia Ele derrama Sua graça sobre nós para que possamos administrar os problemas e as tarefas a serem cumpridas. Cada dia é um novo dia, e o amanhã, portanto, é diferente do hoje. Se o amanhã trouxer novos problemas, haverá uma nova graça para enfrentá-los.

“As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3: 22-23).

Este texto se encontra no anexo:


O sermão do monte

O sermão do monte (PDF)

The sermon on the mount (PDF)

Sugestão de leitura:


livro evangélico: Muito pode a oração de um justo

Muito pode a oração de um justo (PDF)

Much can the prayer of a righteous (PDF)


livro evangélico: Ensina-me a orar

Ensina-me a orar (PDF)

Teach me to pray (PDF)


Autora: Pastora Tânia Cristina Giachetti

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