Estudo sobre a Ceia instituída por Jesus, a Ceia do Senhor ou Santa Ceia, Eucaristia ou Comunhão. Leia também sobre o vinho, do ponto de vista bíblico, e como ele é administrado nas várias ramificações do Cristianismo. A Última Ceia realizada por Jesus.
Study on the Supper instituted by Jesus, the Lord’s Supper or Holy Supper, Eucharist or Communion. Also read about wine from biblical standpoint and how it is administered in the various branches of Christianity. The Last Supper performed by Jesus.
Se você quer ouvir uma pregação sobre o significado da Páscoa no AT/NT, ela está aqui. Ela se chama: “Páscoa, um novo começo”, e foi gravada por mim em 04/04/21. É só seguir este link em azul.
Neste estudo nós vamos abordar a Ceia instituída por Jesus, a Ceia do Senhor (em Grego, κυριακον δειπνον – Kuriakon deipnon), ou Santa Ceia, para os Evangélicos; para os Católicos, também chamada de Eucaristia ou Comunhão (Esta palavra é derivada do Latim, communion = compartilhar, repartir em comum, e que é traduzida em grego como κοινωνία – koinōnía).
In this study we will adress the Supper instituted by Jesus, the Lord’s Supper (in Greek, κυριακον δειπνον – Kuriakon deipnon) or Holy Supper (for Protestants); for Catholics, called Eucharist or Communion (derived from the Latin, communion = to share, to share in common; in Greek, κοινωνία – koinōnía).
Há uma distinção entre a ceia comunitária instituída pelos discípulos de Jesus na Igreja Primitiva (‘Partir o pão’ de casa em casa com os menos favorecidos) e o ritual litúrgico introduzido pelo apóstolo Paulo na igreja de Corinto, e que se seguia à ceia comunitária chamada festa ágape, festa do amor ou festa de comunhão. A ceia litúrgica era feita em memória de Cristo para que Seus seguidores se lembrassem do Seu sacrifício, ou seja, para celebrar Sua morte e ressurreição como propiciação dos pecados e a conquista da salvação para todos os homens.
Vamos começar com os textos dos três primeiros evangelistas: Mateus, Marcos e Lucas, e com o texto escrito pelo apóstolo Paulo em 1 Co 11: 17-34 (com ênfase nos versículos 23-26).
O evangelho de Mateus foi escrito por Mateus, o publicano, um dos doze apóstolos, provavelmente nos primeiros anos da era cristã (50 DC), dirigindo-se fundamentalmente a leitores judeus, pois citou as comprovações do AT em apoio às afirmações que os crentes vinham fazendo acerca de Jesus como o Messias esperado. Ele faz, assim, a transição do AT para a do NT.
O evangelho de Marcos foi escrito por João Marcos, primo de Barnabé e filho de Maria, a mulher viúva que oferecia sua casa para as reuniões da Igreja primitiva (At 12: 12; 25; At 13: 13; At 15: 37-39; At 19: 29; At 27: 2; Cl 4: 10; Fm 24). Era teólogo e historiador. Marcos escreveu o livro por volta de 50-65 DC. O teor judaico dos escritos sugere que o livro deve ter sido escrito para os crentes gentios habitantes de Roma (Judeus convertidos de Roma) e para quem ele explica as tradições judaicas de forma clara (Mc 7:1-4; 14: 12; 15: 42).
O evangelho de Lucas foi escrito por Lucas, médico gentio, companheiro de Paulo. Ele escreveu a Teófilo, provavelmente um gentio que acabara de se converter, por volta de 59-63 DC. Apresenta a maior variedade de ensino, parábolas e acontecimentos da vida de Jesus. Mostra o interesse de Jesus pelo mundo não judeu e pelos pobres.
Algumas festividades foram descritas no NT, mantendo as leis judaicas dadas a Moisés, sendo a Páscoa uma delas (Jo 2: 13; 23; Jo 6: 4; Jo 11: 55; Mt 26: 2; Mc 14: 1; Lc 22: 1; At 12: 3; At 20: 6). As outras são: o Ano Novo (Jo 5: 1), a festa dos Tabernáculos (Jo 7: 2; 37 cf. Lv 23: 36; Nm 29: 35; Ne 8: 18), Pentecostes (At 2: 1; At 20: 16; 1 Co 16: 8), o Dia da Expiação (At 27: 9, aqui chamado Dia do Jejum). Mas muita coisa mudou após a morte e ressurreição de Jesus. Por exemplo: a Festa dos Tabernáculos não é mais citada entre as festas do NT comemoradas pelos novos convertidos, cristãos (nem em Atos dos Apóstolos nem nas cartas).
Nós podemos nos lembrar da Páscoa instituída por Deus no AT e descrita em Êx 12: 1-28, onde os Judeus eram orientados a comer o cordeiro assado no fogo, as ervas amargas e o pão sem fermento (asmo ou ázimo), marcando a porta de suas casas com o sangue do animal para que o Destruidor os poupasse ao passar pelo Egito. Por sete dias, eles deveriam comer o pão sem fermento. O sangue nas portas das casas era símbolo de libertação, a carne era símbolo da Palavra de Deus, e os pães asmos, de santificação. O fermento simboliza a carne, a maldade humana que impede o domínio do Espírito.
Paulo também faz uma referência ao paralelismo existente entre o fermento da carne e a pureza do nosso espírito que foi recriado por Deus no novo nascimento:
• 1 Co 5: 7-8: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade”.
É interessante notar o que está escrito em Êx 12: 14; 17: “Este dia vos será para memorial, e o celebrareis como solenidade ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo... Guardai, pois, a Festa dos Pães Asmos, porque, nesse mesmo dia, tirei vossas hostes da terra do Egito; portanto, guardareis este dia nas vossas gerações por estatuto perpétuo”. Isso significa que guardar a Páscoa era uma ordenança de Deus para Seus filhos.
Em primeiro lugar, vamos deixar claro que a Ceia realizada por Jesus foi comemorada no mesmo dia da Páscoa dos Judeus (Mt 26: 17; 20; Mc 14: 12; 17; Lc 22: 7; 14). Estou falando isso para remover as controvérsias criadas por alguns estudiosos sobre o dia correto da Ceia do Senhor, bem como o dia da morte de Jesus na cruz e seu paralelo com a Páscoa do AT. Sim, Jesus realizou a ceia com Seus discípulos no 14º dia de Nisã, quando se imolava o Cordeiro Pascal (a ceia judaica), e depois explicando a eles o significado da ‘nova ceia’ com o pão e o vinho, que substituiria a primeira, ou seja, uma nova aliança estava sendo feita entre Deus Pai e a humanidade: não mais a celebração da libertação do cativeiro no Egito, mas a libertação definitiva da morte gerada pelo pecado através do sacrifício definitivo de Seu Filho na cruz, ou seja, Jesus, o cordeiro imolado em favor dos homens. Ele morreu no dia da Páscoa Judaica, ainda na sexta-feira, o 14º dia do mês de Nisã, que terminaria com a retirada do Seu corpo da cruz, como diz a bíblia, para não profanar o Sábado (Mt 27: 57; Mc 15: 42; Lc 23: 54; Jo 19: 31; cf. Êx 20: 8-11. O Shabbat, comemorado pelos Judeus, começa após as 18:00 da sexta-feira e termina às 19:00 do sábado). Quanto ao fato de alguns estudiosos dizerem que Jesus não passou três dias no túmulo, ou seja, 72 horas literais, vale lembrar que nos tempos bíblicos fazia-se a contagem inclusiva dos dias (qualquer hora do dia era considerado como o dia inteiro), ou seja, nomear dias sucessivos, não contar literalmente 24 horas. Por isso, Jesus morreu na Sexta-feira (1º dia), ficou no túmulo no Sábado também (2º dia) e ressuscitou no Domingo (3º dia).
A bíblia descreve o 1º dia da festa dos Pães Asmos (ou Pães Ázimos ou sem fermento):
• Mt 26: 17; 20: “No primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a Páscoa?... Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos”.
• Mc 14: 12; 17: “E, no primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, quando se fazia o sacrifício do cordeiro pascal, disseram-lhe seus discípulos: Onde queres que vamos fazer os preparativos para comeres a Páscoa?... Ao cair da tarde, foi com os doze”.
• Lc 22: 7; 14: “Chegou o dia da Festa dos Pães Asmos, em que importava comemorar a Páscoa... Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos”.
Em segundo lugar, vamos analisar os textos sobre a Ceia de Jesus com Seus apóstolos:
• Mt 26: 26-30: “Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai. E tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras”.
• Mc 14: 22-26: “E, enquanto comiam, tomou Jesus um pão e, abençoando-o, o partiu e lhes deu, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. A seguir, tomou Jesus um cálice e, tendo dado graças, o deu aos seus discípulos; e todos beberam dele. Então, lhes disse: Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus. Tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras”.
Lucas, como todos os evangelistas, descreve o episódio da Última Ceia:
• Lc 22: 14-20 (Mt 26: 26-30; Mc 14: 22-26; 1 Co 11: 23-25): “Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós”.
Lucas, discípulo de Paulo, foi o único dos evangelistas que escreveu “fazei isto em memória de mim”.
O verbo usado na ceia para o pão (‘partir o pão’) estava correto, uma vez que o pão asmo, não tendo tempo para levedar, consiste apenas em uma fina placa de massa, chamada de matzá pelos Judeus (plural: matzot), passível de ser partida, quebrada. Embora nenhum osso do corpo de Jesus tenha sido quebrado, o verbo ‘partir’ simboliza os ferimentos e os cortes que Seu corpo sofreu após os flagelos.
Nos três textos acima, a bíblia diz em relação ao pão e ao cálice de vinho, que Jesus deu graças: ‘Tendo dado graças’ ou ‘deu graças’ [em grego, eucharistêsas (ευχαριστησα) = deu graças, dando graças, agradecendo]. Eucharistêsas é o particípio do verbo Eucharisteo (dar graças) = ser grato, expressar gratidão a, especialmente dar graças pela refeição, dar graças. Eucharisteo dá origem à expressão ‘ação de graças’, ‘reconhecimento’, em grego, eucaristia (ευχαριστια).
Durante o Seu ministério, Jesus já havia deixado bem claro que o pão era o símbolo do Seu corpo, e o vinho, o símbolo do Seu sangue a ser derramado em favor dos homens para remissão dos pecados:
• Jo 6: 33; 35; 48-51; 53-58: “Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo... Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede... Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne... Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá. Este é o pão vivo que desceu do céu, em nada semelhante àquele que vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente”.
Explicando melhor: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” quer dizer: receber a palavra e se alimentar dela (comer Sua carne), e aceitar e entender o sacrifício da cruz, ou seja, o perdão dos pecados e a redenção (beber o Seu sangue); em outras palavras: aceitar o sacrifício do corpo e do sangue de Cristo para ter a vida eterna. Quando Jesus disse isso Ele escandalizou os judeus, pois a lei os proibia de comer a carne dos animais com o sangue (Lv 7: 26-27). A vida de toda a carne estava no sangue (Lv 17: 11; 14; Dt 12: 16; 23; Dt 15: 23), ou seja, o sangue do animal propiciava os pecados do homem, restaurando-lhe a comunhão com Deus, a vida eterna.
O pão era uma parábola do Seu próprio corpo submetido ao propósito redentor de Deus (Hb 10: 5-10); e o Seu sangue, derramado na morte, relembrava os ritos expiatórios do AT, o que foi representado no cálice sobre a mesa. Este cálice, dali por diante, era revestido de um novo significado, como um memorial de um novo Êxodo realizado em Jerusalém (Lc 9: 31).
Nos textos escritos pelos três Evangelistas está escrito que Jesus deu graças e abençoou o pão e o partiu, e que após ter dado graças deu o cálice aos Seus discípulos para que bebessem o vinho. Podemos notar que apenas Lucas coloca a frase: “fazei isto em memória de mim”. Mais tarde, na 1ª epístola aos Coríntios, Paulo usa a mesma frase (‘fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim’), sugerindo que se trata de uma ordenança de Jesus:
• 1 Co 11: 23-26: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”.
Neste último texto de Paulo, é interessante notar a última frase, onde está escrito: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”. Por que ‘este pão?’ A que pão ele estava se referindo? ‘Este pão’ era o pão reservado à Ceia do Senhor, isto é, consagrado para este fim, diferentemente do pão usado na ceia comunitária que era realizada no livro de Atos dos Apóstolos e instituída pelos discípulos de Jesus para repartir o pão de casa em casa com os menos favorecidos (At 2: 42; 46-47; At 6: 1-3; At 20: 7). Esta ceia comunitária era conhecida como ágape, festa do amor ou festa de comunhão, à qual o apóstolo Paulo se refere em 1 Co 11: 17-22, antes de ser realizado o ato litúrgico da Ceia do Senhor (1 Co 11: 23-34), onde ele repreende a atitude dos Coríntios, pois não estavam fazendo a distinção entre uma e outra.
A ceia comunitária no NT veio substituir, simbolicamente, o sacrifício das ofertas pacíficas que era feito no templo. Além disso, no livro de Atos dos Apóstolos, ‘partir o pão’ era uma expressão hebraica que significa ‘compartilhar uma refeição’. A oferta pacífica (Lv 3: 1-17) era de qualquer animal sem defeito do rebanho ou variedade de pães. Sua finalidade era um ato voluntário de adoração, ação de graças e comunhão (por isso, era acompanhada de uma refeição comunitária). Como foi dito acima, a ceia comunitária no NT (‘partir o pão’) veio substituir, simbolicamente, o sacrifício das ofertas pacíficas que era feito no templo, uma vez que o holocausto e a oferta pelo pecado e pela culpa já tinham sido feitos por Jesus na cruz definitivamente.
Antes de dar prosseguimento à Ceia de Jesus, vamos falar um pouco sobre este texto de 1 Co 11: 17-34, onde o apóstolo repreende a atitude dos crentes:
17 Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior.
18 Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio.
19 Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio.
20 Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis.
21 Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague.
22 Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo.
23 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;
24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim.
25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
27 Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor.
28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice;
29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si.
30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem.
31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
32 Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.
33 Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros.
34 Se alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco.
Neste trecho, Paulo diz que o comportamento egoísta dos Coríntios tornou impossível a participação deles na ceia do Senhor. Como dissemos anteriormente, geralmente as duas ceias eram feitas em seqüência, ou seja, a ceia comunitária instituída pelos discípulos de Jesus, seguida pela ceia litúrgica que Paulo realizava. Muitos Coríntios ricos parecem ter agido muito mal à mesa do Senhor nessas refeições comunitárias. Os ricos desprezavam os pobres, e comiam e embriagavam-se antes que os pobres fossem autorizados a participar; assim, alguns sentiam carência, enquanto outros tinham demais. O que deveria ter sido um vínculo de amor e afeição mútua (a ceia ágape, festa ágape) foi transformado num instrumento de discórdia e desunião. Os pobres eram privados do alimento preparado para eles, e os ricos transformavam uma festa de caridade em uma orgia (glutonaria e embriaguez). Também havia rixas e divisões entre eles, além de idolatria misturada com a verdadeira doutrina dos apóstolos. Os Coríntios vinham à mesa do Senhor como a uma festa comum, não discernindo o corpo e o sangue de Jesus (o pão e o vinho) de uma comida comum; em outras palavras, eles usavam de mais indecência nesta festa sagrada do que faziam numa festa civil. Isso era muito pecaminoso e muito desagradável a Deus.
No versículo 27 Paulo diz: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor”. Comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente significa: de uma maneira indigna, irreverente; a pessoa seria culpada de profanar o que representa o corpo e do sangue do Senhor, por isso atraía o juízo de Deus sobre si.
Nos versículos seguintes (28-29) ele diz: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si”. Isso significava julgamentos temporais de vários tipos (1 Co 11: 30) por não distinguirem eles os símbolos sagrados do corpo e do sangue do Senhor (o pão e o vinho) de uma comida comum. Por esta causa, alguns estavam fracos, ou foram punidos com a doença, e alguns com a morte (‘alguns que dormem’). Em vez de serem purificados pelo sangue de Jesus, eles eram culpados do Seu sangue. Eles comiam e bebiam juízo para si; provocavam a Deus, e assim se tornavam propensos à condenação, a julgamentos espirituais e miséria eterna.
Paulo pensava ser melhor tirar as festas de amor (as refeições comunitárias, a ceia ágape, a festa ágape) por causa de seu abuso, apesar de terem sido praticadas há muito tempo, e serem nomeadas e instituídas pelos apóstolos.
Na ceia do Senhor eles invocavam o Seu nome e oravam, declarando a instituição daquela ordenança pelo próprio Jesus, e depois entregavam o pão partido para ser comido e o vinho para ser bebido com ações de graças. Também falavam que cada pessoa deveria examinar-se a si mesma, ou seja, provar o seu conhecimento no que estava sendo realizado e também a fé em Jesus e o arrependimento dos seus pecados. Não deveria ser admitido quem não podia examinar a si mesmo, como as crianças, homens furiosos e zangados também, como os que não tinham nenhum conhecimento de Cristo ou um conhecimento não suficiente, embora se considerassem cristãos, e outros que não podiam examinar-se. Esta era a forma de Paulo e dos apóstolos ministrarem. Assim, a ceia litúrgica a que Paulo se referia era para ser feita em memória de Cristo, para manter fresca nas mentes deles a Sua morte pelo pecado dos homens e para celebrar a nossa salvação e redenção por meio do Seu sacrifício.
A Ceia instituída por Jesus era, portanto, para que Seus seguidores se lembrassem do Seu sacrifício, ou seja, para celebrar Sua morte e ressurreição como propiciação dos pecados e a conquista da salvação para todos os homens; não significava uma ceia para celebrar a comunhão com os irmãos no Corpo de Cristo. Ela foi instituída para alimentar a alma, não a ‘barriga’ e, portanto, ela deveria ser separada de banquetes comuns.
Quando Paulo escreve em 1 Co 10: 16-17: “Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (ARA) ou “Não é verdade que o cálice da bênção que abençoamos é uma participação no sangue de Cristo, e que o pão que partimos é uma participação no corpo de Cristo? Como há somente um pão, nós, que somos muitos, somos um só corpo, pois todos participamos de um único pão” (NVI), ele estava se referindo à nossa participação no sacrifício do corpo e do sangue de Jesus, à nossa comunhão com Cristo, confirmando a nossa filiação divina, mas não se referia à comunhão com os irmãos, como era feita na ceia ágape.
Também podemos dizer que a Ceia instituída por Jesus naquela noite com os Seus discípulos estava substituindo a ceia judaica tradicional no sentido de que, agora, eles conheciam a aliança definitiva de Deus com os homens. E aquilo se tornava um mandamento do próprio Jesus para que as pessoas se lembrassem do Seu sacrifício a favor da nossa salvação. O pão e o vinho eram o símbolo da Sua carne e do Seu sangue. A oração de ação de graças por causa desse ato divino e o entendimento com reverência aos elementos ali colocados eram o suficiente para torná-la aceitável a Deus.
Na época de Páscoa, eles não mais celebrariam a libertação do Egito, e sim o sacrifício e a ressurreição do Filho de Deus para dar a salvação aos homens. Não sabemos como foi a celebração da primeira Páscoa após a morte e ressurreição de Jesus, no ano 31 DC, pelos discípulos e seguidores de Jesus; se continuaram a se reunir no templo ou em casas, cada um deles com seus familiares e amigos, se comeram cordeiro ou outras comidas típicas, mas com certeza, a motivação da celebração agora era outra. Vale lembrar aqui que o partir do pão nesta ‘ceia especial’ era apenas para lembrá-los da Páscoa definitiva feita por Jesus; um símbolo, ou seja, não era a ceia que traria a salvação e sim a fé em Jesus. E o ato da Última Ceia seria a expressão dos corações dos crentes, afirmando sua filiação divina, conseguida através do sacrifício de Jesus. Não existe comida especial para comemorar a Páscoa.
Quanto a manter a rotina da ordenança, Jesus não foi muito claro a respeito disso. Em relação aos gentios que estavam se convertendo a Jesus, Paulo levou em consideração a característica de cada congregação, o lugar, o crescimento espiritual das pessoas e o intervalo de tempo em que este tipo de ceia deveria ser ministrada, passando a separar a Ceia do Senhor das refeições comuns. Ele dava prioridade ao auto-exame de cada indivíduo, priorizando sempre o significado espiritual do mandamento.
Dessa forma, não é tomando a ceia rotineiramente na igreja que somos salvos ou mantemos em dia a nossa salvação. Isso é conseguido pela nossa fé em Jesus e no Seu sacrifício expiatório definitivo por nós. Ninguém perde a salvação se não tomar a ceia no dia estipulado pelo líder. O que mais importa não é o simbolismo do pão e do vinho e sim a consciência do que é Páscoa, mesmo porque o evento da Páscoa é comemorado uma vez por ano e faz-se ceia na igreja o ano inteiro. Então, é um erro dizer que a santa ceia foi um substituto para a comemoração da Páscoa.
Agora coloco uma pergunta para que os leitores reflitam: o fato de Jesus não deixar explícita a freqüência da ceia, apenas dizer: “Tomai, comei [o pão]; isto é o meu corpo... tomou um cálice e o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” ou ainda “fazei isto em memória de mim” (Lc 22: 14-20), não seria o caso de pensarmos que isso seria uma forma de comemorar a Páscoa cristã a partir daquele momento? Em outras palavras, não deveria ser feita essa ceia litúrgica uma vez por ano como um ato de comemoração da Páscoa? Assim, sim, seria um substituto para a tradição da Páscoa judaica. E poderia ser feita em cada casa, por cada líder da família, não necessariamente por um líder religioso. Será que ao longo de tantos milênios, não complicamos demais as coisas que Ele disse?!
Quero fazer um parêntese aqui para colocar uns detalhes sobre vinho, do ponto de vista bíblico:
Referência bibliográfica para este trecho:
• J. D. Douglas – O Novo Dicionário da Bíblia – edições vida nova, 2ª edição 1995. Capítulos correlatos do dicionário: Vinho e bebidas fortes, A ceia do Senhor, Refeições.
Os costumes modernos na Palestina, entre um povo que é tradicionalmente conservador no que tange às festividades religiosas, sugerem que o vinho usado na época de Jesus era vinho fermentado, vinho com teor alcoólico; nem suco de uva nem vinho doce (mosto). Na época de Jesus, a única forma de conservar o suco da uva era utilizar os métodos de fabricação de vinho conhecidos na Antiguidade. Lembrando-se do caso de Noé que se embriagou, podemos inferir que a bebida usada pelos antigos vinda da uva tinha teor alcoólico. Sem a fermentação do suco da uva, que era o vinho, não havia outra forma de conservá-lo por longo tempo para consumo. Jesus fazia Suas refeições com este vinho, tanto na Última Ceia como nas bodas de Caná, pois era o vinho comum usado nas festas ou refeições importantes. Em outras palavras: Jesus, vivendo naquela época, acompanhava as refeições das quais Ele participava, tomando a bebida que era apresentada, tanto é que na Última Ceia os três evangelistas escrevem as palavras de Jesus, dizendo ser aquela refeição a última vez que estava bebendo vinho com eles: “desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira” (Mateus); “jamais beberei do fruto da videira” (Marcos); “de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira” (Lucas), o que nos fala a favor de que o vinho fazia parte das Suas refeições enquanto esteve na terra. Quanto ao uso poético da expressão ‘fruto da videira’, tanto faz se as pessoas a interpretam como sendo a uva ou o vinho; o fato é que todos os escritores bíblicos fizeram questão de deixar bem clara a santidade de Jesus em tudo o que Ele fazia, pois Suas motivações eram santas, até tomando um simples cálice de vinho num casamento; quanto mais na Última Ceia, onde o significado deste ato era extremamente diferente! Vamos aos textos:
• Mt 26: 26-29 (Mc 14: 23-25; Lc 22: 17-18): “Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (Em Mc 14: 25 está escrito: “Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus”; e em Lc 22: 18 está escrito: “pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus”).
Com o clima favorável naquela terra para o plantio da videira, encontramos geralmente o vinho associado ao grão de cereal, ambos representando o suprimento abundante e adequado de alimentos, bem como os dons da vida e das bênçãos proporcionadas por Deus (as bênçãos de Isaque sobre Jacó – Gn 27: 28: “Deus te dê do orvalho do céu, e da exuberância da terra, e fartura de trigo e de mosto”) e eram aceitáveis por Ele quando oferecidos como gratidão sobre o altar (Êx 29: 40: “Com um cordeiro, a décima parte de um efa de flor de farinha, amassada com a quarta parte de um him de azeite batido; e, para libação, a quarta parte de um him de vinho;...”).
Entretanto, o vinho deveria ser evitado quando alguém se ocupava dos serviços sacerdotais (Lv 10: 9-11: “Vinho ou bebida forte tu e teus filhos não bebereis quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações, para fazerdes diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo e para ensinardes aos filhos de Israel todos os estatutos que o Senhor lhes tem falado por intermédio de Moisés”), ou durante o período do voto de Nazireado (Nm 6: 1-3: “Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando alguém, seja homem seja mulher, fizer voto especial, o voto de nazireu, a fim de consagrar-se para o Senhor, abster-se-á de vinho e de bebida forte; não beberá vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem tomará beberagens de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas”). No caso dos recabitas, a abstinência do vinho se deve à orientação de preservar a vida como nômade; e o uso do vinho não tinha tanta relação com o uso abusivo do mesmo, mas estava associado com a plantação de videiras, com a semeadura e a edificação de casas (Jr 35: 6-7: “Mas eles disseram: Não beberemos vinho, porque Jonadabe, filho de Recabe, nosso pai, nos ordenou: Nunca jamais bebereis vinho, nem vós nem vossos filhos; não edificareis casa, não fareis sementeiras, não plantareis, nem possuireis vinha alguma; mas habitareis em tendas todos os vossos dias, para que vivais muitos dias sobre a terra em que viveis peregrinando”).
A bíblia mostra os dois aspectos do vinho, seu emprego correto e seu abuso, seus benefícios e sua aceitação aos olhos de Deus e sua maldição. Eles estão entrelaçados no AT, de tal modo que o vinho pode alegrar o coração do homem (Sl 104: 15: “... o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite, que lhe dá brilho ao rosto, e o alimento, que lhe sustém as forças”) – não a alegria da bebedeira, mas das circunstâncias em que o vinho é bebido (minha nota) – ou pode fazer sua mente errar pelo uso indevido (Is 28: 7: “Mas também estes cambaleiam por causa do vinho e não podem ter-se em pé por causa da bebida forte; o sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da bebida forte, são vencidos pelo vinho, não podem ter-se em pé por causa da bebida forte; erram na visão, tropeçam no juízo”).
O vinho pode ser associado ao regozijo (Ec 10: 19: “O festim faz-se para rir, o vinho alegra a vida, e o dinheiro atende a tudo”) ou à ira [do homem, bem entendido] (Is 5: 11: “Ai dos que se levantam pela manhã e seguem a bebedice e continuam até alta noite, até que o vinho os esquenta!”); ele mostra a verdade escondida dentro da carne humana, como aconteceu com Noé (Gn 9: 20-21: “Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda”), ou ainda, como aconteceu nas mãos de Melquisedeque, o vinho foi usado para honrar a Abraão (Gn 14: 18-19: “Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus Altíssimo; abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra”). Vamos nos lembrar que Melquisedeque prefigura Jesus em seu sacerdócio.
No sentido metafórico, as mesmas características podem ser observadas. O vinho pode representar aquilo que o próprio Deus preparou (Pv 9: 5: “Vinde [Diz a sabedoria], comei do meu pão e bebei do vinho que misturei”), e que Ele oferece a todos os que o recebem em suas mãos (Is 55: 1: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite”), assim como um fruto precioso do trabalho do homem e reconhecido por Deus (Is 62: 8: “Jurou o Senhor pela sua mão direita e pelo seu braço poderoso: Nunca mais darei o teu cereal por sustento aos teus inimigos, nem os estrangeiros beberão o teu vinho, fruto de tuas fadigas”). Por outro lado, o vinho pode simbolizar a influência embriagadora da supremacia babilônica, que traz a ruína (Jr 51: 7: “A Babilônia era um copo de ouro na mão do Senhor, o qual embriagava a toda a terra; do seu vinho beberam as nações; por isso, enlouqueceram”), ao mesmo tempo em que ela mesma será embriagada pelo vinho da ira do Senhor (Jr 51: 56-57: “porque o destruidor vem contra ela, contra Babilônia; os seus valentes estão presos, já estão quebrados os seus arcos; porque o Senhor, Deus que dá a paga, certamente, lhe retribuirá. Embriagarei os seus príncipes, os seus sábios, os seus governadores, os seus vice-reis e os seus valentes; dormirão sono eterno e não acordarão, diz o Rei, cujo nome é Senhor dos Exércitos”). A bíblia também fala do cálice da ira de Deus: Is 51: 17 – “Desperta, desperta, levanta-te, ó Jerusalém, que da mão do Senhor bebeste o cálice da sua ira, o cálice de atordoamento, e o esgotaste”. Em outras passagens essa ira é descrita figuradamente como: o “cálice cujo vinho espuma, cheio de mistura” (Sl 75: 8), “vinho do meu furor” (Jr 25: 15), “vinho da cólera de Deus” (Ap 14: 10), “vinho do furor da sua ira” (Ap 16: 19).
No NT também são mostrados os dois aspectos do vinho: o bom e o mau. João Batista deveria abster-se do vinho por causa da sua separação como Nazireu (Lc 1: 15: “Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno”), assim como Sansão (Jz 13: 4-5; 7; 14). Um deles obedeceu à regra, o outro não (o banquete de casamento de Sansão foi um banquete de vinho).
Como eu disse no início, Jesus esteve presente no casamento em Caná da Galiléia, e supriu a falta da bebida de forma bastante abundante. Ninguém iria servir suco de uva num casamento nem mesmo sendo um cristão. Nesta festa os noivos serviram vinho, como se faziam em todas as festas de casamento. E a qualidade do vinho que Jesus providenciou deve ter sido das melhores, haja vista a observação feita pelo mestre-sala da festa. O comentário feito em Jo 2: 9-10 é interessante. Vamos explicar melhor. Está escrito: “Tendo o mestre-sala provado a água transformada em vinho (não sabendo donde viera, se bem que o sabiam os serventes que haviam tirado a água), chamou o noivo e lhe disse: Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora”. Ele disse isso porque era costume colocar inicialmente o vinho normal. Depois de algum tempo, ele era diluído em água na proporção de um para dois e, no final da festa, já estava em um para cinco, ou seja, já tinha perdido bastante da sua aparência e sabor. Jesus deve ter produzido por milagre um vinho com o buquê correto e com a porcentagem correta de fermentação, mesmo porque Ele estava ali com outros objetivos que não estimular bêbados.
A disposição de Jesus em comer com pecadores e publicanos atraiu sobre Si a acusação de que era um glutão e bebedor de vinho. Jesus, como homem comum, ia a festas e comia e bebia normalmente, tanto com Saduceus, Fariseus e Escribas quanto com publicanos e pecadores, por isso foi acusado de ser glutão e bebedor de vinho, comparado com João Batista que era Nazireu e não poderia fazer isso: “Pois veio João Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho (‘oinos’ = vinho), e dizeis: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho (‘oinopotês’ = beberrão), amigo de publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos” (Lc 7: 33-34 cf. Mt 11: 18-19).
Ele também usou o vinho em Suas ilustrações, como, por exemplo, em Mc 2: 22, quando fala sobre colocar vinho novo em odres (de pele) novos, pois se fosse feito o contrário, ou seja, se o vinho fosse colocado em odres velhos eles se romperiam por não agüentarem a posterior fermentação (e expansão) do novo vinho em suas peles rígidas. Metaforicamente falando, isso significava que o novo ensino de Jesus aponta para a vida e para o poder do Espírito de Deus. As formalidades convencionais de todo o sistema judaico e suas normas rígidas, e o coração humano acostumado com antigos padrões se arrebentariam com a nova doutrina. As ‘peles’ teriam que ser refeitas de acordo com o desafio e as exigências da nova era que tinha chegado.
Também no livro de Apocalipse é feita uma referência ao mau uso do vinho, onde os habitantes da terra são descritos como embebedados pelas fornicações da Babilônia (Ap 17: 2), enquanto a própria prostituta, representando a Babilônia, aparece embriagada com o sangue dos crentes fiéis (Ap 17: 6).
No caso de Paulo, a igreja problemática de Corinto, em especial, o levou a reprovar o mau uso do vinho (a bebedeira; 1 Co 6: 10; 1 Co 11: 21), exortando seus leitores para que se deixassem controlar e se encher com o Espírito Santo (Ef 5: 18: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito”), ao invés de se embebedarem com vinho. Há uma grande diferença entre tomar um cálice de vinho na comemoração de Páscoa e se embebedar, ou desrespeitar o ato litúrgico.
Para muitas pessoas, o que aconteceu no Pentecostes com os apóstolos, e com Ana, mãe de Samuel, diante do sacerdote Eli, quando foram revestidos da unção do Espírito Santo, parecia um estado de embriaguez, de ingestão de bebidas fortes. Era uma forma de pessoas e de Satanás zombarem das manifestações de Deus no meio de Seu povo. O povo e os sacerdotes, sim, é que tinham pecado bastante nisto ao longo das eras; por isso, Deus havia usado profetas como Amós e Oséias para repreendê-los:
• Am 2: 11-12: “Dentre os vossos filhos, suscitei profetas e, dentre os vossos jovens, Nazireus. Não é isto assim, filhos de Israel? — diz o Senhor. Mas vós aos Nazireus destes a beber vinho e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis”.
• Os 4: 11: “A sensualidade, o vinho e o mosto tiram o entendimento”.
• Os 9: 2; 4: “A eira e o lagar não os manterão; e o vinho novo lhes faltará... Não derramarão libações de vinho ao Senhor, nem os seus sacrifícios lhe serão agradáveis; seu pão será como pão de pranteadores, todos os que dele comerem serão imundos; porque o seu pão será exclusivamente para eles e não entrará na Casa do Senhor”.
Timóteo recebeu de Paulo a orientação para tomar um pouco de vinho, ao invés de tomar somente água, por causa das propriedades médicas do vinho sobre as enfermidades constantes do seu discípulo (1 Tm 5: 23: “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades”). Isso não quer dizer misturar água no vinho, como alguns religiosos gostam de explicar para não gerar a idéia de que Paulo estava estimulando o alcoolismo. Quer dizer apenas que era para Timóteo, de vez em quando, tomar vinho ao invés de água para melhorar algum sintoma incômodo no seu corpo. Timóteo parece ter tido uma tendência a um rigor ascético indevido nesse ponto, e parece que tinha uma constituição física débil. Em se tratando da saúde de Timóteo, não apenas o vinho, mas os alimentos deveriam ser considerados (1 Tm 4: 1-5) para que ele pudesse desempenhar suas funções de superintendente corretamente. Embora a carne não devesse ser encorajada pelas suas concupiscências (1 Tm 5: 22b – ‘Conserva-te a ti mesmo puro’), era apropriado que ele cuidasse de sua saúde, pois ela não deveria ser prejudicada por muita severidade na alimentação nem por duros estudos, freqüentes ministrações e incansáveis dores e trabalhos que ele suportou ao divulgar o Evangelho de Cristo.
A orientação de Paulo era diferente da que foi mencionada sobre o uso do vinho pelo Bom Samaritano, pois aqui o vinho foi usado com propriedades anti-sépticas para que, depois, o óleo (como um óleo balsâmico) pudesse aliviar a dor do ferido a apressar a cicatrização da ferida. Hoje em dia, a ciência fala sobre muitos efeitos benéficos do vinho em pequenas quantidades sobre vários órgãos do corpo, em especial o coração. Não se fala muito a respeito do seu efeito no estômago, a não ser que alguns de seus componentes químicos restringem os efeitos adversos das comidas gordurosas, combatendo o colesterol e diminuindo os radicais livres, portanto, retardando o envelhecimento celular. Mas sabe-se que no século II DC o médico e filósofo romano Galeno (de origem grega) empregava o vinho na cura das feridas dos gladiadores, agindo este como um desinfetante, principalmente quando os cortes com espadas provocavam evisceração (saída das vísceras do abdome).
Nas epístolas de Paulo há sempre menção do excesso de álcool trazendo prejuízo ao corpo, à alma e ao espírito, especialmente do cristão com cargo de liderança na igreja, como os bispos e diáconos (1 Tm 3: 2-3; 8; Tt 2: 3: “É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento... Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a muito vinho, não cobiçosos de sórdida ganância... Quanto às mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias em seu proceder, não caluniadoras, não escravizadas a muito vinho; sejam mestras do bem”).
Desde o AT, Deus proibia os sacerdotes de beberem vinho ou qualquer bebida forte quando entrassem para ministrar na Tenda Congregação para que não fossem dirigidos por outro espírito, que não o Espírito de Deus. Mas poderiam beber vinho (Hebraico, yayim) quando não estivessem a serviço de Deus; no casamento de uma filha, por exemplo.
É óbvio que o alcoolismo, além de ser um transtorno do ponto de vista médico, é considerado um sinal de surdez às coisas espirituais e um desprezo para com a vinda iminente de Jesus (Rm 13: 13; Lc 21: 34), além de uma irreverência para com a mesa do Senhor e para com os irmãos que estão em comunhão em Cristo. Alguns versículos servem como exemplo do que foi dito acima: Rm 14: 3-5; 17; 20-21; 1 Co 10: 25-27; 30-32; 1 Tm 4: 3-5; Tt 1: 15.
O termo ‘vinho novo’ ou ‘mosto’ [hebraico, tïrôsh; Concordância Lexicon Strong #8492 Hebraico: mosto ou suco fresco de uva (como espremido); por implicação (raramente) vinho fermentado; vinho (novo, doce)] representa os primeiros sucos que escorrem antes e logo depois do lagar ser pisado. Pisadas as uvas no lagar, corria o sumo para uma cuba. A esse sumo chamavam ‘vinho novo’ – e os judeus bebiam-no nesse estado (Antes de terminada a fermentação). Essa palavra nunca se refere à bebida fermentada, mas sempre ao produto não-fermentado da videira, tal como o suco ainda no cacho de uvas (Is 65: 8), ou o suco doce de uvas recém-colhidas (Dt 11: 14; Pv 3: 10; Jl 2: 24). Tïrôsh (שורית) aparece 37 vezes no Antigo Testamento (KJV e ARA).
Referência bíblica | Inglês | Português |
Gn 27: 28 | wine | mosto |
Gn 27: 37 | wine | mosto |
Nm 18: 12 | wine | mosto |
Dt 7: 13 | wine | vinho |
Dt 11: 14 | wine | vinho |
Dt 12: 17 | wine | vinho |
Dt 14: 23 | wine | vinho |
Dt 18: 4 | wine | vinho |
Dt 28: 51 | wine | mosto |
Dt 33: 28 | wine | vinho |
Jz 9: 13 | wine | vinho |
2 Rs 18: 32 | wine | vinho |
2 Cr 31: 5 | wine | vinho |
2 Cr 32: 28 | wine | vinho |
Ne 5: 11 | wine | vinho |
Ne 10: 37 | wine | vinho |
Ne 10: 39 | new wine | vinho |
Ne 13: 5 | new wine | vinho |
Ne 13: 12 | new wine | vinho |
Sl 4: 7 | wine | vinho |
Pv 3: 10 | new wine | vinho |
Is 24: 7 | wine | vinho |
Is 36: 17 | wine | vinho |
Is 62: 8 | wine | vinho |
Is 65: 8 | new wine | vinho |
Jr 31: 12 | wine | vinho |
Os 2: 8 | wine | vinho |
Os 2: 9 | wine | vinho |
Os 2: 22 | wine | vinho |
Os 4: 11 | new wine | mosto |
Os 7: 14 | wine | vinho |
Os 9: 2 | new wine | vinho novo |
Jl 1: 10 | new wine | vide |
Jl 2: 19 | wine | vinho |
Jl 2: 24 | wine | vinho |
Mq 6: 15 | sweet wine | vinho |
Ag 1: 11 | new wine | vinho |
A fermentação se dá quando enzimas produzidas por bactérias ou fungos entram em contato com o mosto, e começam a agir. No caso do sumo da uva, essas bactérias, alimentando-se do açúcar natural proveniente da fruta, produzem enzimas que convertem esse açúcar em gás carbônico e álcool. O gás se desprende, permanecendo apenas o álcool. A fermentação começa dentro de seis horas após a maceração, enquanto o sumo ainda se acha nos tanques, e lentamente se processa por um período de vários meses. Podemos dizer então que isto é suco de uva fermentado. Assim sendo, seria particularmente potente, e uma possível explicação para aquilo que no dia de Pentecostes parecia ser um estado de embriaguez (At 2: 13: “Outros, porém, zombando, diziam: Estão embriagados!”. Na Versão de King James, no lugar da expressão ‘estão embriagados!’, está escrito: ‘These men are full of new wine’, ou seja, ‘estes homens estão cheios de vinho novo’). A palavra grega para vinho novo ou mosto é Gleukos (γλευκους – aparece apenas uma vez na bíblia em At 2: 13, e significa ‘vinho doce’, isto é, mais propriamente, o suco fresco, mas com mais quantidade de açúcar, já iniciado o processo de fermentação (talvez mantido por 1 ano) e, portanto, ‘altamente inebriante’; ‘vinho fermentado’, ‘vinho novo’ (Strong #g1098). A vindima do ano corrente (que ocorre no mês de Tamuz, correspondente a Junho-Julho) ainda não chegara (Pois o Pentecostes era comemorado no 6º dia do mês de Siwãn – Maio-Junho, um pouco antes).
Durante o envelhecimento do vinho ele era conservado em jarras ou odres, que possuíam uma espécie de respiradouro para eliminar o dióxido de carbono (decorrente do desdobramento dos açúcares em álcool através da fermentação) e evitar a entrada de oxigênio, a fim de que não se tornassem vinagre. Quanto mais tempo os vinhos descansavam, mais as borras se precipitavam no fundo do recipiente e eles se clarificavam, melhorando seu buquê (perfume agradável de um bom vinho de mesa) e seu sabor. As borras se parecem com o cristal bruto de ametista no fundo de um tonel de vinho. Depois os vinhos eram transportados para outros receptáculos. A bíblia se refere a isso de muitas formas: Jó 32: 19 (‘respiradouro’); Is 25: 6 (‘vinhos velhos bem clarificados’); Jr 13: 12 (‘jarro’); Jr 48: 11 (‘fezes do seu vinho’ = borras do seu vinho); Sf 1: 12 (‘borra do vinho’); Lc 5: 39 (‘E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente’).
O odre (ô), Gn 21: 14-15; 19; Js 9: 13; Jó 32: 19, (do latim, utre), também chamado de pele (do latim, pelle), é geralmente feito de pele de cabra, mais raramente de outro animal (ovelha, cabrito ou boi), e usado para transportar líquidos (água, azeite, leite, vinho), manteiga ou queijo. Para fazer um odre, matava-se o animal e lhe cortava a cabeça e as patas. Depois todas as vísceras eram retiradas, se possível sem abrir a barriga do animal. Depois, o couro era curtido com casca de carvalho ou de acácia, sendo os pêlos deixados do lado de fora, caso os odres fossem utilizados para guardar leite, manteiga, queijo e água. Eram curtidos para não transmitir um sabor desagradável à água conservada neles. Entretanto, o curtimento era mais cuidadoso quando eles se destinavam a guardar azeite ou vinho, e os pêlos eram removidos. As bolsas de pele de vinho eram às vezes penduradas em local onde pudessem ser defumadas, com o intuito de protegê-las dos insetos, ou para que o vinho adquirisse rapidamente certas propriedades desejadas. Por outro lado, quando não estavam em uso, os odres talvez fossem pendurados num aposento sem chaminé, e, assim, ficavam escuros pela fumaça do fogo ali aceso. Tais odres de vinho logo perdiam sua elasticidade e se enrugavam. Foi talvez pensando nisso que o salmista desolado por tantas tribulações, disse: “Já me assemelho a um odre na fumaça; contudo não me esqueço dos teus decretos” (Salmo 119: 83).
Os vocábulos usados na bíblia para vinho fermentado são: chomets (ץמחב), também escrito ‘hõmeç’ (vinagre), yayin (יין – traduzido como ‘vinho’) e shekhãr (רכש – ‘bebida forte’).
1) Vinagre – uma bebida ordinária dos trabalhadores dos campos (Rt 2: 14) onde molhavam seu pão, e dos soldados das classes inferiores [uma mistura de água e vinho ou de outras bebidas alcoólicas com uma fermentação acética, ou seja, a posterior transformação do álcool produzido na fermentação do vinho em ácido acético]. Em outras palavras: se o vinho não for devidamente protegido contra a oxidação, transforma-se em ácido acético, ou vinagre. A ‘posca’ dos romanos era muito semelhante à dos trabalhadores hebreus; ela foi oferecida a Jesus na cruz, e era um pouco diferente do analgésico temperado com mirra que Ele recusara anteriormente (Mt 27: 34; Mc 15: 23 – a ‘bebida forte’: o vinho de alto teor alcoólico misturado com a mirra dado pelas mulheres judias aos condenados à cruz para que pudessem suportar a punição e o sofrimento. ‘Mirra’ origina-se de ‘maror’ ou ‘murr’, que significa ‘amargo’, por isso é amarga e, muitas vezes, usada na bíblia como sinônimo de fel). Em grego, o vinagre é chamado de ‘oxous’ ou ‘oxos’. Em hebraico (Rt 2: 14) é ‘chomets’, também escrito ‘hõmeç’ = vinagre. A palavra vinagre (em grego: oxous – οξος) foi usada em Jo 19: 28-30, quando ofereceram vinagre a Jesus na cruz.
2) Outro vocábulo na bíblia, usado para vinho é: Yayin (יין), usada 141 vezes no Antigo Testamento para indicar vários tipos de vinho fermentado. Seu equivalente em grego no NT é ‘oinos’ (οινον), como está escrito nas bodas de Caná da Galiléia (Jo 2: 3; 9-10).
3) Shekhãr (‘bebida forte’), a bebida de alto teor alcoólico proibida aos sacerdotes no AT (Lv 10: 9 – o vinho e a bebida forte) e Nazireus, e usada muitas vezes pelos ímpios para se embriagarem. O equivalente de shekhãr (1 Sm 1: 15; Nm 6: 3), em grego, é ‘sikera’ (σικερα – Lc 1: 15: “Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno”). A palavra Shekhãr (‘bebida forte’) aparece 23 vezes no Antigo Testamento e se refere, mais comumente, a outras bebidas fermentadas, talvez feitas de suco de fruta de palmeira, de romã, maçã, ou de tâmara, ou ainda bebida fermentada de cevada. Entretanto, não se exclui o vinho de alto teor alcoólico.
Agora, vamos falar um pouco sobre o tipo de vinho e a forma como ele é administrado nas festas religiosas judaicas, católicas e protestantes, especialmente na Santa Ceia desses dois últimos grupos (Santa Ceia, ou Ceia do Senhor, ou Eucaristia).
Os Judeus usam em suas festas religiosas o vinho fermentado com 7% de concentração de álcool (o yayin), não o suco de uva ou mosto (tïrosh). No caso especial do Shabbat, eles usam o vinho tinto suave (doce, não seco), o Vinho Kosher Guefen (uma das marcas mais usadas). Da mesma forma como foi orientado a Arão e seus filhos, o vinho é permitido ao Cohen (sacerdote) da congregação judaica fora do momento do seu sacerdócio (como ocorria na Tenda da Congregação do AT). Em algumas outras festas eles usam o vinho seco, mas não há uma razão específica para isso. O Guefen é o mesmo vinho com grau baixo de fermentação alcoólica usado nas festas judaicas da Páscoa e do Ano Novo Judeu (Rosh Hashaná). Kosher (Pronuncia-se: cashér) em hebraico quer dizer ‘permitido’, ‘próprio’ ou ‘bom’. Faz parte do ritual de preparação do alimento segundo as leis judaicas. Nas festas, geralmente, eles tomam o vinho encorpado, não diluído em água.
Já os Católicos usam o vinho chamado ‘Canônico’, também para fins litúrgicos (Eucaristia), igualmente com menor concentração de álcool (7-8%) do que o vinho normal (de 12%), mas alguns freis ou padres colocam um pouco d’água no cálice. Antigamente, só o sacerdote tomava o vinho, e os fiéis, apenas a hóstia. Atualmente, a hóstia tem sido molhada no vinho. Na Europa é costume realizar a Eucaristia com vinho branco ao invés de tinto. As explicações não são muito claras para isso. Também lá, a hóstia é diferente da nossa conhecida hóstia; mais se parece com o Matzot (o pão asmo dos Judeus).
Na Igreja Ortodoxa o vinho é servido a todos os fiéis (inclusive crianças), com uma colher.
Os Evangélicos têm costume de distribuir aos fiéis o pão (sem um caráter uniforme entre as diferentes denominações, mas dependendo do líder de cada congregação; muitas vezes o próprio pão de forma cortado em pedacinhos). O cálice de plástico pequeno é cheio com suco de uva e distribuído às pessoas.
Após a morte dos discípulos do Senhor e de Paulo e o enfraquecimento da igreja cristã primitiva fundada por eles sobre a doutrina de Jesus, além da elevação de Roma e das heresias religiosas provenientes de povos pagãos, alguns cristãos primitivos já haviam ligado o misticismo à Ceia do Senhor, rejeitando o conceito bíblico de uma simples rememoração da morte e do sangue derramado por Cristo. O mitraísmo é um exemplo disso. O Mitraísmo foi uma religião no Império Romano do século I ao IV DC, muito popular, em particular entre os soldados e vários imperadores romanos, até que Constantino a substituiu pelo Cristianismo. Uma das principais características do Mitraísmo era a refeição sacrificial, que envolvia comer a carne e beber o sangue de um touro. Mitras, o deus do Mitraísmo, estava presente na carne e no sangue do touro e, quando consumido, concedia salvação àqueles que tomavam parte da refeição sacrificial. Essa religião também possuía sete sacramentos, o que a faz inegavelmente semelhante ao Catolicismo Romano. O imperador Constantino e seus sucessores encontraram um substituto fácil para a refeição sacrificial do Mitraísmo no conceito da Ceia do Senhor (Comunhão Cristã, hoje conhecida como ‘Eucaristia’ na Missa Católica), devido às doutrinas da transubstanciação e da consubstanciação, que influenciaram bem mais tarde, inclusive, a reforma protestante, através de Lutero, Calvino e Zuínglio.
No Catolicismo, a Ceia do Senhor ou Santa Ceia é também chamada de Eucaristia (em grego: ευχαριστια = ‘ação de graças’, ‘reconhecimento’) ou Comunhão. O Matzá foi substituído pela Hóstia, em latim, ‘hostiam’, que quer dizer ‘vítima’, ou seja, Jesus é o cordeiro, sem culpa, imolado em sacrifício a Deus, a vítima de nós mesmos, seres humanos, para a remissão dos nossos pecados. As hóstias têm 2 tamanhos: 3 centímetros de diâmetro, pesando 0,6 gramas, para os fiéis, e 7,8 centímetros, para os sacerdotes. O mais interessante de tudo é que, até pouco tempo atrás, os católicos só comiam a hóstia, mas apenas o padre bebia o vinho. Hoje em dia, como já foi dito acima, alguns padres molham a hóstia no vinho. Para participar da Eucaristia é necessário estar plenamente incorporado à Igreja Católica e em estado de graça, isto é, sem consciência de pecado mortal (caso contrário, a pessoa precisa receber primeiramente o sacramento da reconciliação – confessar o pecado e fazer a penitência que é determinada pelo líder religioso). Também é necessário o jejum prescrito pela Igreja, a disposição de espírito de estar em reverência a Deus e ainda a atitude corporal adequada (gestos, trajes), como sinal de respeito para com Cristo.
A Igreja Católica apóia a doutrina da ‘ transubstanciação’ que diz: após a consagração do pão e do vinho, há a presença real de Jesus Cristo, em Seu corpo, sangue, alma e divindade nesses elementos, ou seja, a aparência permanece de pão e vinho, porém a substância se modifica; ela passa a ser o próprio corpo e sangue de Cristo. A transubstanciação se opõe à da ‘consubstanciação’ que diz: o pão e o vinho se mantêm inalterados, ou seja, continuam sendo pão e vinho. A doutrina da transubstanciação surgiu no ocidente após o cisma entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa (1054 DC). A Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana e Igrejas Calvinistas crêem na presença real, mas não na transubstanciação. O pão na liturgia Ortodoxa é fermentado (simbolizando a nova natureza em Cristo), e o vinho é servido a todos os fiéis (inclusive crianças) com uma colher. Na Igreja Ortodoxa não há uma explicação teológica sobre o que acontece com os elementos na liturgia divina – isso é tido como um mistério divino.
Os Luteranos também acreditam que no pão e no vinho há a presença real de Jesus Cristo, em seu corpo, sangue, alma e divindade, mas esses elementos não se transformam em Sua carne e sangue, como afirma a doutrina da transubstanciação dos Católicos. Para os Luteranos essa doutrina se chama ‘União Sacramental’, o que já causou muita confusão com o termo ‘consubstanciação’ que, como vimos acima, significa que há a presença real de Jesus Cristo na Santa Ceia, mas o pão e o vinho se mantêm inalterados, ou seja, continuam sendo pão e vinho. Na consubstanciação, as substâncias do Corpo e do sangue de Cristo se unem à substância do pão e do vinho como a divindade de Jesus se uniu à carne durante Sua encarnação humana, vivendo as duas concomitantemente nEle. Alguns Luteranos celebram a Eucaristia, ou Santa Ceia, semanalmente; outros celebram quinzenalmente, mensalmente, ou mesmo trimestralmente, ao contrário da Igreja Católica, que realiza o ritual em todas as missas. Segundo o pensamento de Lutero, durante a consagração, a substância do corpo e sangue de Cristo se une à substância do pão e do vinho, permanecendo unidos unicamente após a consagração e durante o uso do sacramento. Embora com tantas explicações teológicas por parte dos Luteranos diferenciando o termo ‘União Sacramental’ de ‘consubstanciação’, trocando em miúdos, sob o ponto de vista espiritual trata-se da mesma coisa.
Como dissemos acima, os conceitos doutrinários da Igreja Católica em torno da Eucaristia influenciaram, inclusive, a reforma protestante do século XVI, através de Lutero, Calvino e Zuínglio. Quanto à Ceia do Senhor, nós podemos dizer:
• Martinho Lutero (1483-1546), líder da reforma protestante na Alemanha, tomava de forma literal as palavras de Jesus (‘Este é o meu corpo’).
• Ulrico Zuínglio [em alemão: Huldreych, Huldreich ou Ulrich Zwingli (1484-1531)] foi um teólogo suíço e principal líder da Reforma Protestante na Suíça. Defendia o caráter simbólico da Eucaristia, ao contrário de Lutero. Para ele, a Ceia lembra o sacrifício de Cristo até que Ele retorne; uma posição chamada ‘memorialismo’. As igrejas Batistas se baseiam em Zuínglio em relação à Santa Ceia, onde o pão e o vinho são apenas elementos que simbolizam o corpo de Cristo. Ao invés do termo ‘sacramento’ é usado o termo ‘ordenança’, ou seja, um mandamento. Segundo a doutrina católica, sacramento é o sinal sagrado instituído por Jesus Cristo para conceder a salvação divina àqueles que, ao recebê-lo, fazem uma profissão de fé (confissão pública de uma crença). São sete: o batismo, a crisma (confirmação do batismo), a eucaristia, a penitência ou confissão, a ordem (confere o poder de exercer funções eclesiásticas), o matrimônio e a extrema unção. Entretanto, a bíblia fala que não é preciso se fazer nada disso para se conseguir a salvação; apenas crer em Jesus e declará-lo como único Senhor em nossa vida (Rm 10: 9-10). Dessa forma, se a ceia representa o ato simbólico da morte e ressurreição de Jesus para nos dar a salvação, como, então, é preciso realizá-la para se conseguir a salvação?
• Calvino (1509-1564), por sua vez, se opõe a Zuínglio dizendo que Jesus está presente no ato da Ceia, não nos elementos, mas espiritualmente, e posteriormente essa presença é comunicada aos crentes. A essa forma de entendimento dá-se o nome de ‘presença espiritual’.
• As igrejas evangélicas, de uma maneira geral, se apóiam na teoria de Zuínglio, onde o pão e o vinho são apenas elementos que simbolizam o corpo de Cristo. A Eucaristia é chamada de ‘Santa Ceia’ ou ‘Ceia do Senhor’. Aproveite para conhecer as ramificações protestantes que surgiram após a reforma de Lutero no século XVI.
Fonte de pesquisa: Wikipedia.org
Autora: Pastora Tânia Cristina Giachetti
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